A Reforma do Imposto de Renda e o Desafio Fiscal dos Municípios: A Ameaça dos R$ 3 Bilhões

A proposta de ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) para quem ganha até R$ 5 mil mensais, uma medida com significativo apelo social e promessa de alívio para milhões de trabalhadores, acende um alerta vermelho nas prefeituras de todo o Brasil. Por trás do benefício individual, esconde-se uma potencial sangria nas contas municipais: estimativas de entidades como a Confederação Nacional de Municípios (CNM) apontam para uma perda de aproximadamente R$ 3 bilhões que deixariam de ingressar nos cofres das cidades brasileiras. Esse rombo projetado ameaça comprometer a capacidade dos municípios de financiar serviços essenciais e investir em desenvolvimento local.
Para compreender a dimensão desse impacto, é fundamental entender como o Imposto de Renda arrecadado pela União se relaciona com as finanças municipais. Parte significativa da arrecadação do IRPF é repassada aos municípios por meio de duas fontes principais:
- Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF): O valor do IR retido na fonte sobre os rendimentos de seus próprios servidores (municipais) é receita direta do município. Ao elevar a faixa de isenção, menos servidores municipais terão o imposto retido, resultando em uma diminuição imediata e direta dessa receita para a prefeitura.
- Fundo de Participação dos Municípios (FPM): O FPM é uma das principais fontes de recursos para a maioria dos municípios brasileiros, especialmente os de pequeno e médio porte. Sua composição inclui uma parcela da arrecadação federal, da qual o IRPF é um componente importante. Quando a União arrecada menos IR, o montante total destinado ao FPM diminui, e, consequentemente, a fatia que cabe a cada município também se reduz.
A perda de R$ 3 bilhões, embora pareça um valor distante para o cidadão comum, representa um impacto severo no dia a dia das cidades. Com orçamentos já apertados e demandas crescentes por serviços de qualidade, a redução de receitas impõe dilemas cruciais aos gestores municipais. Verbas que seriam destinadas à manutenção de escolas e postos de saúde, à compra de medicamentos, à pavimentação de ruas, à segurança pública ou a investimentos em infraestrutura e saneamento podem ser drasticamente cortadas ou ter seu ritmo reduzido.
A situação é particularmente crítica para os municípios de pequeno e médio porte, que possuem uma base de arrecadação própria mais limitada e dependem em maior grau das transferências federais, como o FPM. Para essas cidades, cada milhão de reais a menos no orçamento significa um impacto proporcionalmente maior na capacidade de prestar serviços básicos à população. A ampliação da faixa de isenção do IR, sem uma contrapartida ou mecanismo de compensação efetivo e garantido, pode aprofundar a crise fiscal que muitos desses municípios já enfrentam, limitando sua autonomia e inviabilizando projetos essenciais para o desenvolvimento local e a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.
O governo federal, ao propor a medida, defende o caráter social da isenção, argumentando que ela beneficia diretamente a população de baixa e média renda, estimulando o consumo e, consequentemente, a economia. Além disso, o governo frequentemente aponta para a expectativa de compensação da perda de receita através de outras fontes, como o crescimento da arrecadação em outras faixas do IR ou de outros tributos federais, e até mesmo por meio de tributações de grandes fortunas ou lucros e dividendos. No entanto, para os municípios, essas compensações são incertas e dependem de variáveis que não estão sob seu controle, gerando insegurança e instabilidade no planejamento orçamentário.
Entidades municipalistas têm se mobilizado ativamente, pleiteando junto ao Congresso Nacional e ao próprio governo federal a criação de um fundo de compensação ou mecanismos que garantam a reposição integral dessas perdas. A discussão transcende a esfera meramente fiscal e se torna um debate sobre o federalismo brasileiro, a autonomia dos entes subnacionais e a capacidade de investimento e gestão das cidades.
Em um país continental como o Brasil, onde as realidades locais são diversas e as demandas por políticas públicas são cada vez mais prementes, a redução de R$ 3 bilhões na receita municipal não é um mero ajuste contábil. É um desafio que exigirá dos gestores públicos criatividade na busca por novas fontes de receita, otimização de gastos e, acima de tudo, um diálogo construtivo com as esferas federal e estadual para garantir que a reforma tributária beneficie o cidadão sem desfinanciar as cidades que são a base da vida em sociedade. A pauta da compensação municipal torna-se, assim, um elemento central para a sustentabilidade fiscal e a capacidade de resiliência dos municípios brasileiros frente aos desafios do futuro.