Democracia em nuvesn
A Estônia passou por séculos de ocupação de seu território por outros povos, influenciado pela cultura e economia da Rússia, Dinamarca, Suécia, Finlândia e Alemanha, até sua independência em 1991. Em menos de três décadas, o país transformou este modelo político, que havia sido enfraquecido, em referência na criação coletiva de uma nova organização política e social: a e-Estônia, uma inovadora plataforma de democracia digital.
Descentralizar e ampliar o acesso do cidadão à informação com segurança e eficiência, tendo como base a tecnologia, foi a mudança fundamental promovida na Estônia. Mas, antes de cruzarmos para o leste europeu, precisamos definir:
O QUE É DEMOCRACIA DIGITAL?
Democracia digital é o uso da internet e ferramentas digitais que coloquem a opinião popular no centro das discussões sobre políticas públicas, ampliando a participação cidadã para muito além do voto. A utilização de redes sociais para despertar o interesse das pessoas para informações e o compartilhamento de causas são as formas mais conhecidas da e-democracia ou ciberdemocracia.
No entanto, existem muitas outras maneiras de viver em uma e-democracia. Cabe também uma observação: a internet está ativa no Brasil desde 1998 e este conceito tem quase a mesma data de criação. Ou seja, muito se avançou desde então.
É fato que a cultura digital revolucionou as relações produtivas, de trabalho, organização social e a forma como a cidadania é exercida. Mas, entender seu impacto, de fato, sobre a sociedade é o que podemos facilmente entender ao conhecer a Estônia de perto.
COMO FUNCIONA A E-ESTÔNIA?
base de toda mudança foi a criação da X-Road, a espinha dorsal da e-Estônia. O projeto X-Road foi lançado pelo governo da Estônia na década de 90 para criar um ambiente seguro e padronizado para o intercâmbio de dados entre sistemas de informação diferentes. Um ambiente invisível, que permite que os vários bancos de dados do país, tanto no setor público como privado, se conectem e operem em harmonia.
Entre os principais aprendizados sobre a experiência naquela ilha digital, destacamos a importância de apostar na inovação para desenvolver um Estado mais ágil, eficiente e transparente. As metas para inovar a democracia estoniana foram alcançadas depois de um trabalho intenso entre cientistas, governo, juristas, especialistas em segurança de tecnologia, políticos e a sociedade civil.
Esse esforço exigiu um alinhamento social e político. Os interesses da população tiveram protagonismo e o desenvolvimento de tecnologias teve seu primeiro e forte apoio no Estado.
O resultado foi um modelo onde o governo e as empresas podem desenvolver aplicativos cívicos (ferramentas digitais que, servindo-se de dados abertos, buscam aumentar o bem-estar das suas comunidades e aumentar a transparência da administração pública) com a mesma facilidade e utilizando a mesma base de dados. Ou seja, um desafio comum entre as esferas públicas e privadas, em que a população é a maior beneficiada.
UMA SOCIEDADE DIGITAL
Na Estônia, os serviços públicos são organizados em blocos integrados.
Plataformas como i-Voting, e-Tax Board, e-Residency e e-School revolucionaram a prática da cidadania. Vamos entender como?
i-Voting
O i-voting é o sistema de votação pela Internet, que permite que os eleitores votem de qualquer computador conectado à internet, em qualquer lugar do mundo. Basta estar cadastrado. Durante um período de pré-votação, o eleitor faz login no sistema usando um cartão de identidade ou identificação móvel e realiza seu voto. A identidade do eleitor é removida antes de chegar à Comissão Nacional Eleitoral, garantindo seu sigilo.
e-Tax Board
E-Tax é o sistema para pagamento de impostos que ele reduziu o tempo gasto por indivíduos e empresas na hora de recolher taxas. O processo normalmente leva de três a cinco minutos.
Veja também: afinal, porque impostos existem?
e-Business
O e-Business da Estônia é uma ferramenta para abrir e encerrar empresas e negócios online em apenas alguns minutos. Nada de cartórios ou grandes deslocamentos, tudo pelo computador.
e-Residency
A Estônia é o primeiro país a oferecer a e-Residency, uma identificação digital emitida pelo governo disponível para qualquer pessoa no mundo. Com esse “cadastro”, você pode começar e gerir facilmente um negócio na União Europeia, em um ambiente seguro.
COMO PLANEJAR INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO GOVERNO?
Para que todas essas inovações pudessem operar, foi desenvolvida uma arquitetura em camadas, um planejamento para a evolução tecnológica. Acompanhe o passo a passo:
1. Identificação digital
Para que os serviços públicos estejam disponíveis online, o primeiro passo foi a implementação de um serviço de identificação digital para que toda a população pudesse autenticar, assinar e executar ações digitalmente.
O cartão de identificação é do mesmo tamanho que um cartão de crédito comum, válido em muitos países europeus e pode ser utilizado para serviços no ambiente virtual e físico.
É obrigatório que todo o cidadão tenha identificação digital, mas não necessariamente que a usem. Com ela, a pessoa pode exercer sua participação digital, precisando apenas de um computador (facilidade no acesso), internet (ampliação de usuários) e um leitor de smart-card (segurança), com custo inferior a R$50.
2. Banco de dados descentralizado
Pela lei, na Estônia, nenhum sistema está autorizado a armazenar a mesma informação em mais de um lugar. As informações de cada pessoa – como nome, data de nascimento, gênero, endereços, cidadania ou suas relações jurídicas – estão no banco de dados da população onde cada um pode determinar quais estão disponíveis e a quem será fornecido o acesso.
Outra medida para manter a confiança no sistema foi a implementação de um sistema de registro aberto, onde o cidadão tem o direito de saber sobre todos que consultam seus dados.
3. Aplicativos independentes
Norteados por esses princípios, o conjunto de inovações, iniciativas e propostas atendem realidades diferentes. Desde aplicações digitais que facilitem o diálogo entre cidadãos e representantes eleitos até soluções revolucionárias para o exercício político online.
TEMOS DEMOCRACIA DIGITAL NO BRASIL?
Ao conhecer os avanços da Estônia, que vive uma democracia representativa semelhante à que temos no Brasil, reconhecemos diversas inovações que ampliam o acesso da população a informações e garantem a segurança no uso dos dados.
No Brasil, a lei de acesso à informação já está em vigor e outros dispositivos estão em discussão ou em processo de regulamentação.
Com a palavra, o AppCívico!
O AppCívico está envolvido na promoção da cultura democrática e na participação dos indivíduos nos processos de interesse público. Esse processo não é linear: é um ciclo que chamamos de ecossistema, onde a população, empresas, startups, terceiro setor e gestores públicos podem contribuir de diversas formas para a decisão ou construção coletiva de novas políticas públicas.
Dados abertos, transparência na gestão pública e investimentos tecnológicos são algumas de nossas bandeiras no AppCívico. Esses elementos são como passos iniciais para colocar, cada vez mais, ferramentas ao dispor do cidadão na busca por uma maior horizontalidade social e estimular o envolvimento daqueles que ainda estão às margens da decisões políticas.
A evolução do governo da Estônia foi além da digitalização, como foi dito em nossa visita ao país, já que “agora temos um backup nas nuvens da nossa democracia”. A afirmação é inspiradora para provocar desenvolvedores brasileiros e a formação de nosso ecossistema. O Brasil tem muito para caminhar. Mas, uma viagem de mil milhas começa com um único passo.
Nós do AppCívico agradecemos ao Politize! por este espaço onde podemos falar sobre inovação, tecnologia, democracia e impacto social positivo.
Referências