Por que as igrejas não pagam impostos no Brasil e em outros países.

O prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), vetou na quarta-feira (15/11/2017) o artigo de um projeto que dava isenção de taxas municipais a templos religiosos. A emenda que deu origem à isenção foi apresentada pelo vereador Eduardo Tuma (PSDB), aliado de Doria, e aprovada pela Câmara Municipal.

A Constituição Federal, em seu artigo 150, define que o Estado não pode cobrar impostos de “templos de qualquer culto”. Para vetar a emenda que beneficiava as instituições religiosas, Doria considerou que a extensão da isenção fiscal das igrejas feria a Constituição, já que a carta fala em impostos, não em taxas, que são um tributo diferente. Na quinta-feira (16), o prefeito declarou que as igrejas “podem e devem pagar impostos”.

A proposta de Tuma integrava a lei que determina cobrança de ISS (Imposto Sobre Serviços) a empresas de streaming, como Netflix e Spotify. Com a nova lei, a partir de dezembro a prefeitura irá cobrar 2,9% do valor total que empresas desse setor receberem de seus usuários.

A Constituição é clara ao definir que “templos” são isentos de impostos, mas a aplicação da regra é controversa e já levou a disputas judiciais entre governo e igrejas. O ponto principal do debate é sobre quais bens das igrejas devem receber isenção.

Enquanto governos tentaram tributar bens que não são usados como templos, religiosos se defendem dizendo que a atuação das igrejas não se restringe ao culto em templos e, portanto, propriedades e bens que integram outros de seus projetos também devem receber isenção.

Em 2002, a prefeitura de Jales, no interior de São Paulo, tentou tributar imóveis da diocese da cidade. As dioceses são divisões regionais da igreja católica, estabelecidas para fins administrativos. A prefeitura alegava que a Diocese era proprietária de imóveis que rendiam aluguéis e, por não ter um fim religioso, eles deveriam ser tributados.

A Diocese de Jales, então, acionou a Justiça com base no artigo 150 da Constituição e pediu a suspensão da cobrança. A entidade religiosa alegou que os imóveis não estavam sendo utilizados para fins religiosos, mas a renda obtida com os aluguéis ajudavam a financiar projetos sociais da igreja.

Cemitérios religiosos também são isentos Por serem ambiente com alta incidência de manifestações religiosas, cemitérios públicos recebem imunidade tributária. Até 2008, nenhum cemitério privado tinha direito ao benefício.

Naquele ano, a Igreja Anglicana da Bahia abriu processo no Supremo pedindo isenção de IPTU para o cemitério que a instituição mantém. O caso chegou até o Supremo. Os ministros decidiram que cemitérios sem fins lucrativos e administrados por entidades religiosas também tinham direito à imunidade tributária

O Brasil é um país laico. Em outras palavras, o governo não adota nenhuma religião oficial e tampouco estimula que seus cidadãos sigam alguma crença específica.

Da mesma forma, a Constituição Federal de 1988 garante a liberdade de credo, desde que nenhuma religião ou crença viole outras leis do país.

A Constituição de 1891 foi a primeira Carta laica e que estabelecia imunidade tributária às igrejas. Desde então, o Brasil teve mais cinco constituições, sendo que apenas a de 1934 não fazia menção expressa à imunidade de templos religiosos.

Atualmente, a imunidade religiosa é apontada como um dos mecanismos capazes de garantir que todos os cidadãos teriam direito de exercer sua fé .

Porém, o privilégio do governo a instituições religiosas e a suspeita  de que alguns líderes religiosos se aproveitem da imunidade para enriquecer ilicitamente fazem com que o tema seja alvo de debate.

Críticos à imunidade tributária das igrejas argumentam que o benefício dado às entidades religiosas fere o princípio de laicidade do Estado, pois favorece um tipo de entidade sem fins lucrativos – igrejas – em detrimento de outras – associações não religiosas. Igrejas deveriam, assim, ser tributadas como todas as outras instituições privadas.

Outra crítica alerta para o risco de que líderes religiosos utilizem as igrejas para obtenção de vantagens pessoais.

Para fugir da cobrança de impostos, alguns religiosos optariam por registrar bens pessoais em nome da igreja.

Por fim, os que defendem o fim da imunidade tributária afirmam que parte dos líderes religiosos manipula a fé das pessoas para conseguir dinheiro das pessoas e, assim, enriquecer ilicitamente. De acordo com esse argumento, o Estado ajuda o enriquecimento desses líderes mal intencionados .

A Comissão de Direitos Humanos do Senado recebeu, em 2015, uma sugestão legislativa de iniciativa popular para acabar com a imunidade tributária das igrejas.

No pedido, a autora argumenta que igrejas são como empresas e não podem ser consideradas instituições sem fins lucrativos. Em um Estado laico, de acordo com a sugestão legislativa, empresas (igrejas) que enfrentam concorrentes (outras igrejas) para conseguirem mais clientes (fiéis) devem pagar impostos sobre suas receitas (dízimo ou outras contribuições de fiéis).

Em uma consulta do Senado a internautas, 148 mil pessoas disseram ser contra a proposta, enquanto 146 mil foram a favor.

O papel social das instituições religiosas e o risco de que determinadas igrejas desapareçam por falta de dinheiro são os argumentos usados por defensores da imunidade tributária.

Defensores da imunidade alegam que as igrejas são entidades de interesse social e sem fins lucrativos. Uma vez que igrejas não possuem – teoricamente – receitas provenientes da comercialização de produtos e se bancam com doação de fiéis, a cobrança de impostos poderia inviabilizar financeiramente a prática de determinadas religiões, sobretudo aquelas com menor número de fiéis.

Outro ponto levantado é o retorno do trabalho social das igrejas. De acordo com o senador José Medeiros (PSD), que é presbiteriano e relator do projeto que pode acabar com a imunidade fiscal, estudos mostram  que a cada R$ 1,00 que as igrejas recebem de isenção, o governo economiza R$ 5,00 por conta dos serviços de assistência social e recuperação de dependentes químicos realizados pelas igrejas.

Nos Estados Unidos, além da isenção de alguns impostos federais, os fiéis que doam para igrejas conseguem descontos na hora de pagar seus. Os religiosos defendem que igrejas são instituições sem fins lucrativos e prestam serviços sociais que o governo é incapaz de proporcionar aos cidadãos.

O IRS (Internal Revenue Service) é o órgão do governo americano que fiscaliza se instituições sem fins lucrativos que recebem imunidade tributária não são usadas como fachada para benefício privado.

As regras para que o IRS fiscalize as finanças de entidades religiosas são especiais, deixando o governo com menos acesso a documentos sobre como igrejas usam seus bens e recursos.

A questão é motivo de debate entre os americanos. Em 2015, a professora de direito Miranda Fischer declarou que a isenção a igrejas deveria acabar porque elas são “mais clubes privados do que bens públicos”.

Imposto religioso na Europa

No Reino Unido, igrejas também não pagam impostos sobre propriedade.

Em outros países, além de não pagarem impostos, igrejas recebem o “imposto religioso” de seus fiéis.

É o caso da Alemanha, por exemplo. Todos os cidadãos alemães registrados no governo como católicos, protestantes ou judeus pagam uma taxa adicional em seu imposto de renda que, posteriormente, é direcionada para sua igreja.

Já na Itália igrejas podem receber recursos da lei “oito por mil”.  O nome é uma referência ao percentual de 0,008% (ou, 8/1000). Ao cobrar os impostos, o governo italiano pede para que o contribuinte decida se parte do valor pago, na proporção de 0,008% de seu salário, será destinado a alguma instituição religiosa ou a entidades de assistência social.

 

Autor: Paulo Flores.

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