A tributação da locação de bens móveis pelo Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e o futuro da Súmula Vinculante 31 do Supremo Tribunal Federal (STF)
Este artigo trata especificamente sobre a tributação da locação de bens móveis pelo imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN). Em 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou súmula vinculante afirmando que a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN) sobre operações de locação de bens móveis é inconstitucional. Entretanto, o STF vem mudando consideravelmente o seu entendimento sobre o assunto, por exemplo, nos casos de franquia e arrendamento mercantil.
Inicialmente, será analisado, de forma geral, o aspecto legal do imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN) e a tributação da locação de bens móveis. A Constituição Federal de 1988 trouxe a previsão do referido tributo no art. 156, determinando a competência para os Municípios instituí-lo. No sentido de regulamentação, a Lei Complementar nº 116/2003 determinou normas gerais para orientação dos Municípios, por exemplo, fato gerador, base de cálculo, alíquotas, substituição tributária, entre outros temas.
Em seguida, trataremos do tema específico, ou seja, a tributação da locação de bens móveis pelo imposto sobre serviços de qualquer natureza, principalmente trazendo o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto. A súmula vinculante 31 prevê que a incidência de ISSQN sobre a locação de bens é inconstitucional. Entretanto, ultimamente o STF vem alterando a sua percepção sobre o tema.
Assim, este trabalho apresenta a seguinte problemática: diante da mudança da jurisprudência do STF, qual o futuro da súmula vinculante 31? A hipótese de pesquisa sugere que o STF deve alterar o seu entendimento sobre a tributação da locação de bens móveis.
O presente trabalho tem como objetivo esclarecer a tributação da locação de bens móveis diante do ISSQN. A relevância da pesquisa encontra-se no fato de que esclarecer a forma desta tributação traz segurança jurídica para o fisco municipal e os contribuintes.
O método científico utilizado é o dialético, onde se buscou fazer um diálogo entre duas teses antagônicas do próprio STF. Um entendimento afirma a inconstitucionalidade da tributação da locação de bens móveis pelo ISSQN. Esta tese foi resumida através da súmula vinculante 31. Por outro lado, o STF vem considerando constitucional a tributação da franquia e do arrendamento mercantil pelo ISSQN, mesmo se tratando de uma obrigação de dar.
A modalidade de pesquisa utilizada será basicamente através de pesquisa bibliográfica (livros, doutrina, artigos científicos, legislação, jurisprudência, entre outros), seja através do meio físico ou eletrônico.
- IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA (ISSQN) E LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS
O imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN) ganhou notoriedade com a Carta Magna de 1988. Trata-se de um tributo de competência dos Municípios e do Distrito Federal. Tem caráter preponderantemente fiscal. Com exceção dos serviços tributados pelo ICMS, todos os demais serviços previstos em lei complementar podem ser onerados pelo ISSQN (MARTINS, 2013, p. 11).
A Carta Magna de 1988 tratou do referido tributo no art. 156:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
[…]
III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.
[…]
- 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar:
I – fixar as suas alíquotas máximas e mínimas;
II – excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior.
III – regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. (BRASIL, 1988).
Com o intuito de evitar conflitos e afastar a bitributação, a Carta Política define a competência privativa para os entes federativos (HARADA, 2014, p. 5). Excepcionado o caso de tributação extraordinária, apenas os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir o imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN).
Entretanto, não é qualquer serviço que poderá ser tributado pelo Municípios. A Lei Maior determina que os serviços sejam definidos em lei complementar (MANGIERI, 2013, p. 21). Embora a Constituição Federal atribua aos Municípios a competência tributária para tributar a prestação de serviços, a definição dos aspectos legais do tributo, isto é, fato gerador, base de cálculo, entre outros, será estabelecida através de lei complementar federal (CURADO; BARREIRINHAS, 2011, p. 35).
Desse modo, a tarefa de regulamentar o ISSQN coube à Lei Complementar federal nº 116/2003. O seu artigo primeiro traz a regra matriz do tributo:
Art. 1º O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.
- 1º O imposto incide também sobre o serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País.
- 2º Ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias.
- 3º O imposto de que trata esta Lei Complementar incide ainda sobre os serviços prestados mediante a utilização de bens e serviços públicos explorados economicamente mediante autorização, permissão ou concessão, com o pagamento de tarifa, preço ou pedágio pelo usuário final do serviço.
- 4º A incidência do imposto não depende da denominação dada ao serviço prestado. (BRASIL, 2003).
Conforme disposto acima, os serviços tributados pelo ISSQN são aqueles previstos expressamente na lista de serviços em anexo à LC 116/2003. Não é qualquer prestação de serviço que poderá ser cobrada pelos Municípios. A LC nº 116/2003 trouxe expressamente na lista de serviços (item 3) a previsão para cobrança dos serviços de locação de bens móveis:
[…]
3 – Serviços prestados mediante locação, cessão de direito de uso e congêneres.
3.01 – (VETADO)
3.02 – Cessão de direito de uso de marcas e de sinais de propaganda.
3.03 – Exploração de salões de festas, centro de convenções, escritórios virtuais, stands, quadras esportivas, estádios, ginásios, auditórios, casas de espetáculos, parques de diversões, canchas e congêneres, para realização de eventos ou negócios de qualquer natureza.
3.04 – Locação, sublocação, arrendamento, direito de passagem ou permissão de uso, compartilhado ou não, de ferrovia, rodovia, postes, cabos, dutos e condutos de qualquer natureza.
3.05 – Cessão de andaimes, palcos, coberturas e outras estruturas de uso temporário.
[…] (BRASIL, 2003).
O referido item foi logo questionado pela doutrina por não representar uma obrigação de fazer, mas uma obrigação de dar (MELO, 2017, p. 87). Ao logo do tempo, a discussão para saber o conceito de serviço para efeito de incidência do ISSQN sempre foi tratada no contexto entre obrigação de fazer e obrigação de dar (BERGAMINI, 2017, p. 42).
Serviços são bens imateriais de circulação econômica, opondo-se aos bens materiais e corpóreos (BORGES; REIS, 2015, p. 13). Entretanto, Dácomo (2007, p. 34) afirma que a prestação de serviço pode estar relacionada tanto a uma obrigação de dar como a uma obrigação de fazer.
Apesar das inúmeras decisões judiciais sobre o tema, o fato é que ainda se vive uma enorme insegurança sobre a tributação da locação de bens móveis pelo imposto sobre serviços de qualquer natureza ((PATROCÍNIO, 2016, p. 211).
- A TRIBUTAÇÃO DA LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS E A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF)
A questão agora é saber se incide ISSQN sobre a locação de bens móveis. O Código Civil tratou a prestação de serviços a partir do art. 593:
Art. 593. A prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial, reger-se-á pelas disposições deste Capítulo.
Art. 594. Toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição. (BRASIL, 2002).
Na verdade, o estatuto civil apenas trata da relação entre as partes quando contratam uma prestação de serviços. O Código não dispõe sobre aspectos tributários. Da mesma forma, a locação de coisa foi disciplinada no art. 565:
Art. 565. Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição. (BRASIL, 2002).
A definição trazida pelo diploma civil acima também não ajuda muito em termos de determinar a tributação da locação de bens. Apenas afirma que a locação é um contrato onde uma parte cede a outra um bem móvel mediante remuneração. Na verdade, locação é um contrato remunerado pelo uso de bem móvel ou imóvel ((HOUAISS; VILLAR; FRANCO, 2015, p. 596). No nosso caso concreto, a pesquisa será limitada ao estudo da locação de bens móveis, pois a locação de bens imóveis não é fato gerador do ISSQN.
A questão sobre a tributação da locação de bens móveis através do ISSQN não é recente. A lista de serviços do Decreto-lei nº 406/68 já trazia no item 79 a locação de bens móveis como fato gerador do imposto sobre serviços (BRASIL, 1968). A redação original da LC 116/2003 também trazia no item 3.01 a previsão expressa da tributação da locação de bens móveis pelo ISSQN. Entretanto, este item foi vetado, conforme orientação do Ministério da Fazenda na Mensagem nº 362/2003:
Já o Ministério da Fazenda optou pelo veto aos seguintes dispositivos:
Itens 3.01 e 13.01 da Lista de serviços
“3.01 – Locação de bens móveis.”
[…]
Razões do veto
“Verifica-se que alguns itens da relação de serviços sujeitos à incidência do imposto merecem reparo, tendo em vista decisões recentes do Supremo Tribunal Federal. São eles:
O STF concluiu julgamento de recurso extraordinário interposto por empresa de locação de guindastes, em que se discutia a constitucionalidade da cobrança do ISS sobre a locação de bens móveis, decidindo que a expressão “locação de bens móveis” constante do item 79 da lista de serviços a que se refere o Decreto-Lei no 406, de 31 de dezembro de 1968, com a redação da Lei Complementar no 56, de 15 de dezembro de 1987, é inconstitucional (noticiado no Informativo do STF no 207). O Recurso Extraordinário 116.121/SP, votado unanimemente pelo Tribunal Pleno, em 11 de outubro de 2000, contém linha interpretativa no mesmo sentido, pois a “terminologia constitucional do imposto sobre serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo a contrato de locação de bem móvel. Em direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprios, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável.” Em assim sendo, o item 3.01 da Lista de serviços anexa ao projeto de lei complementar ora analisado, fica prejudicado, pois veicula indevida (porque inconstitucional) incidência do imposto sob locação de bens móveis.
[…]
Assim, pelas razões expostas, entendemos indevida a inclusão destes itens na Lista de serviços.” (BRASIL, 2003).
Diante da decisão do STF em recurso extraordinário que decidia pela inconstitucionalidade da cobrança de ISSQN sobre a locação de bens móveis, o órgão da Presidência da República achou melhor vetar a tributação da locação de bens móveis prevista na LC 116/2003. Pareceu uma decisão precipitada, pois tal decisão não vincula o poder legislativo. Nem mesmo as ações em controle abstrato vincula o legislativo.
O recurso extraordinário citado no veto continha a seguinte ementa:
TRIBUTO – FIGURINO CONSTITUCIONAL. A supremacia da Carta Federal é conducente a glosar-se a cobrança de tributo discrepante daqueles nela previstos. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS – CONTRATO DE LOCAÇÃO. A terminologia constitucional do Imposto sobre Serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo considerado contrato de locação de bem móvel. Em Direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável – artigo 110 do Código Tributário Nacional. (STF, 2000).
Esse julgamento aconteceu no ano 2000, ainda sob a égide do DL nº 406/68. Lendo o inteiro teor da decisão acima, percebe-se que não se trata de um decisão simples. Para começar, são 54 (cinquenta e quatro) páginas de julgamento. O relator do processo votou pela constitucionalidade do item 79 da lista de serviços do DL nº 406/68, porém, a maioria do STF votou pela inconstitucionalidade do dispositivo, afirmando que a locação de guindaste não é fato gerador de ISSQN.
Em 2003, a LC 116/2003 trouxe de volta o debate. A locação de bens móveis estava prevista no item 3.01 da lista de serviços em anexo a esta norma. Contudo, o dispositivo nem chegou a entrar em vigor, pois foi vetado pela presidência da república. No entanto, a LC nº 116/2003 tinha um diferencial em relação ao DL nº 406/68, pois não previa apenas a locação de bens móveis como hipótese de incidência do ISSQN, mas previa outros serviços com a mesma natureza da locação como, por exemplo, a exploração de salão de festas, cessão de andaimes, locação de estruturas, entre outros casos.
A disposição completa do item 3 da lista de serviços em anexo à LC nº 116/2003 é a seguinte:
[…]
3 – Serviços prestados mediante locação, cessão de direito de uso e congêneres.
3.01 – (VETADO)
3.02 – Cessão de direito de uso de marcas e de sinais de propaganda.
3.03 – Exploração de salões de festas, centro de convenções, escritórios virtuais, stands, quadras esportivas, estádios, ginásios, auditórios, casas de espetáculos, parques de diversões, canchas e congêneres, para realização de eventos ou negócios de qualquer natureza.
3.04 – Locação, sublocação, arrendamento, direito de passagem ou permissão de uso, compartilhado ou não, de ferrovia, rodovia, postes, cabos, dutos e condutos de qualquer natureza.
3.05 – Cessão de andaimes, palcos, coberturas e outras estruturas de uso temporário.
[…] (BRASIL, 2003).
Com a volta do tema ao cenário nacional, o Supremo Tribunal Federal voltou a se pronunciar sobre o assunto:
IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS (ISS) – LOCAÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR – INADMISSIBILIDADE DA INCIDÊNCIA DESSE TRIBUTO MUNICIPAL – DISTINÇÃO ENTRE LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS (OBRIGAÇÃO DE DAR OU DE ENTREGAR) E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS (OBRIGAÇÃO DE FAZER) – IMPOSSIBILIDADE DE A LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA MUNICIPAL ALTERAR A DEFINIÇÃO E O ALCANCE DE CONCEITOS DE DIREITO PRIVADO (CTN, ART. 110) – INCONSTITUCIONALIDADE DO ITEM 79 DA ANTIGA LISTA DE SERVIÇOS ANEXA AO DECRETO-LEI Nº 406/68 – PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – ATENDIMENTO, NA ESPÉCIE, DOS PRESSUPOSTOS LEGITIMADORES DA CONCESSÃO DE PROVIMENTO CAUTELAR (RTJ 174/437-438) – OUTORGA DE EFICÁCIA SUSPENSIVA A RECURSO EXTRAORDINÁRIO, QUE, INTERPOSTO POR EMPRESAS LOCADORAS DE VEÍCULOS AUTOMOTORES, JÁ FOI ADMITIDO PELA PRESIDÊNCIA DO TRIBUNAL RECORRIDO – DECISÃO REFERENDADA PELA TURMA. (STF, 2005).
Percebe-se que o Supremo Tribunal Federal adotou o conceito jurídico de serviço (ALVES, 2021, p. 145). A posição do Supremo Tribunal Federal reduziu consideravelmente o alcance da expressão serviços de qualquer natureza (PATROCÍNIO; HIDALGO, 2016, p. 358). Desta forma, qualquer outro tipo de obrigação que não seja um fazer não poderá ser tributado pelo imposto municipal.
Em 2010, tentando resolver finalmente o tema, a Suprema Corte promulgou a súmula vinculante 31:
É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis. (STF, 2010).
A controvérsia parecia resolvida. Todavia, atualmente o STF vem prolatando decisões em sentido totalmente contrário à súmula vinculante 31. Essas decisões são referentes à franquia e o contrato de arrendamento mercantil:
Recurso extraordinário com repercussão geral. Tema 300. 2. Tributário. Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza. 3. Incidência sobre contrato de franquia. Possibilidade. Natureza híbrida do contrato de franquia. Reafirmação de jurisprudência. 4. Recurso extraordinário improvido. (STF, 2020).
A franquia é uma licença concedida por um detentor de uma marca a um terceiro para vender seus produtos (FERREIRA, 2009, p. 417). Ora, o contrato de franquia não parece ser uma obrigação de fazer. No contrato de franquia empresarial, o franqueador autoriza o franqueado a usar a marca e outros objetos, mediante uma remuneração (BRASIL, 2019). Essa operação não nos parecer ser uma obrigação de fazer.
A contradição também aparece nas decisões referentes a contratos de arrendamento mercantil (leasing):
São exemplos o ISSQN e o ICMS, assimilam considerações econômicas, porquanto baseados em conceitos elaborados pelo próprio Direito Tributário ou em conceitos tecnológicos, caracterizados por grande fluidez e mutação quanto à sua natureza jurídica. 14. O critério econômico não se confunde com a vetusta teoria da interpretação econômica do fato gerador, consagrada no Código Tributário Alemão de 1919, rechaçada pela doutrina e jurisprudência, mas antes em reconhecimento da interação entre o Direito e a Economia, em substituição ao formalismo jurídico, a permitir a incidência do Princípio da Capacidade Contributiva. 15. A classificação das obrigações em “obrigação de dar”, de “fazer” e “não fazer”, tem cunho eminentemente civilista, como se observa das disposições no Título “Das Modalidades das Obrigações”, no Código Civil de 2002 (que seguiu a classificação do Código Civil de 1916), em: (i) obrigação de dar (coisa certa ou incerta) (arts. 233 a 246, CC); (ii) obrigação de fazer (arts. 247 a 249, CC); e (iii) obrigação de não fazer (arts. 250 e 251, CC), não é a mais apropriada para o enquadramento dos produtos e serviços resultantes da atividade econômica, pelo que deve ser apreciada cum grano salis. 16. A Suprema Corte, ao permitir a incidência do ISSQN nas operações de leasing financeiro e leaseback (RREE 547.245 e 592.205), admitiu uma interpretação mais ampla do texto constitucional quanto ao conceito de “serviços” desvinculado do conceito de “obrigação de fazer” (RE 116.121), verbis: “EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO. ISS. ARRENDAMENTO MERCANTIL. OPERAÇÃO DE LEASING FINANCEIRO. ARTIGO 156, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. O arrendamento mercantil compreende três modalidades, [i] o leasing operacional, [ii] o leasing financeiro e [iii] o chamado leaseback. No primeiro caso há locação, nos outros dois, serviço. A lei complementar não define o que é serviço, apenas o declara, para os fins do inciso III do artigo 156 da Constituição. Não o inventa, simplesmente descobre o que é serviço para os efeitos do inciso III do artigo 156 da Constituição. No arrendamento mercantil (leasing financeiro), contrato autônomo que não é misto, o núcleo é o financiamento, não uma prestação de dar. E financiamento é serviço, sobre o qual o ISS pode incidir, resultando irrelevante a existência de uma compra nas hipóteses do leasing financeiro e. (STF, 2016).
A própria decisão afirma que ao permitir a incidência de ISSQN nas operações de leasing, a Corte Suprema admitiu uma interpretação mais ampla do conceito de serviços. A tese de considerar serviço apenas uma obrigação de fazer, adotada no RE 116.121, foi deixada de lado. Agora o STF adota o critério econômico para caracterizar o que vem a ser serviço para efeito de incidência de ISSQN.
Para complicar ainda mais a situação, o STF vem admitindo a incidência de ISSQN sobre os demais itens do grupo locação de bens como, por exemplo, o caso de locação de andaimes:
DIREITO TRIBUTÁRIO. ISSQN. LOCAÇÃO DE ANDAIMES. INCIDÊNCIA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO CPC/2015. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 156, III, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. EVENTUAL VIOLAÇÃO REFLEXA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NÃO VIABILIZA O RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO MANEJADO SOB A VIGÊNCIA DO CPC/2015. 1. Obstada a análise da suposta afronta aos preceitos constitucionais invocados, porquanto dependeria de prévia análise da legislação infraconstitucional aplicada à espécie, procedimento que refoge à competência jurisdicional extraordinária desta Corte Suprema, a teor do art. 102 da Magna Carta. 2. As razões do agravo não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada, mormente no que se refere à ausência de ofensa a preceito da Constituição da República. 3. Majoração em 10% (dez por cento) dos honorários anteriormente fixados, obedecidos os limites previstos no art. 85, §§ 2º, 3º e 11, do CPC/2015, ressalvada eventual concessão do benefício da gratuidade da Justiça. 4. Agravo interno conhecido e não provido, com aplicação da penalidade prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015, calculada à razão de 1% (um por cento) sobre o valor atualizado da causa, se unânime a votação. (STF, 2018).
Ora, qual a diferença entre a locação de um automóvel e a locação de um andaime? Não há diferença alguma. São serviços que entregam um bem móvel por tempo determinado tempo em troca de uma remuneração. Atualmente, a contradição com relação à tributação da locação de bens moveis é considerável. Essa confusão toda traz muita insegurança jurídica para o fisco e seus contribuintes, sem falar do excesso de demandas no judiciário.
Passamos a seguir a tratar das conclusões sobre o tema.
- CONSIDERAÇÕES FINAIS
A questão é bastante complexa e envolve um conflito de entendimento dentro da Suprema Corte, sendo motivo de discórdia há décadas, causando muita insegurança jurídica entre o fisco e os contribuintes do imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN).
A súmula vinculante 31 ainda adota o conceito restrito de serviços, ou seja, uma obrigação de fazer. Entretanto, a jurisprudência recente do STF tem mostrado uma alteração considerável de entendimento, principalmente nos jugados envolvendo os contratos de franquia e arrendamento mercantil (leasing).
Esse conflito de entendimento acaba por causar muitos prejuízos ao poder público, tais como, insegurança jurídica, uma demanda judicial elevada e problemas de entendimento no contencioso administrativo.
Diante do exposto, podemos concluir que existe um conflito de entendimento dentro do próprio Supremo Tribunal Federal. Assim, o STF necessita urgentemente estabelecer uma uniformidade sobre o tema.
Uma alternativa seria confirmar a validade da súmula vinculante 31 e alterar o entendimento nos demais julgados, isto é, nos casos de contratos de franquia, arrendamento mercantil e locação de andaimes. Dessa forma, o STF passaria a adotar o conceito jurídico de serviço, ou seja, serviço como uma obrigação de fazer.
Por outro lado, o STF poderia cancelar a súmula vinculante 31 e uniformizar o entendimento no sentido de considerar o conceito de serviço como uma obrigação de fazer ou de dar. Essa seria a melhor opção escolhida pelo STF. Acredito que esse será o caminho a ser tomado pela Suprema Corte.
REFERÊNCIAS
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BERGAMINI, Adolpho. ISS: análise de legislação, manifestações da administração tributária, jurisprudência administrativa e judicial. Coleção curso de tributos indiretos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.
BORGES, José Cassiano; REIS, Maria Lúcia Américo dos. ISS ao Alcance de Todos. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2015.
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BRASIL. Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. Dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp116.htm. Acesso em: 31 jul. 2021.
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal (SEGUNDA TURMA). Ação Cautelar 661. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS (ISS) – LOCAÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR – INADMISSIBILIDADE DA INCIDÊNCIA DESSE TRIBUTO MUNICIPAL – DISTINÇÃO ENTRE LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS (OBRIGAÇÃO DE DAR OU DE ENTREGAR) E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS (OBRIGAÇÃO DE FAZER) – IMPOSSIBILIDADE DE A LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA MUNICIPAL ALTERAR A DEFINIÇÃO E O ALCANCE DE CONCEITOS DE DIREITO PRIVADO (CTN, ART. 110) – INCONSTITUCIONALIDADE DO ITEM 79 DA ANTIGA LISTA DE SERVIÇOS ANEXA AO DECRETO-LEI Nº 406/68 – PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – ATENDIMENTO, NA ESPÉCIE, DOS PRESSUPOSTOS LEGITIMADORES DA CONCESSÃO DE PROVIMENTO CAUTELAR (RTJ 174/437-438) – OUTORGA DE EFICÁCIA SUSPENSIVA A RECURSO EXTRAORDINÁRIO, QUE, INTERPOSTO POR EMPRESAS LOCADORAS DE VEÍCULOS AUTOMOTORES, JÁ FOI ADMITIDO PELA PRESIDÊNCIA DO TRIBUNAL RECORRIDO – DECISÃO REFERENDADA PELA TURMA. Relator Min. Celso de Mello, 08 de março de 2005. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?base=acordaos&pesquisa_inteiro_teor=false&sinonimo=true&plural=true&radicais=false&buscaExata=true&page=9&pageSize=10&queryString=iss%20loca%C3%A7%C3%A3o%20de%20bens&sort=date&sortBy=desc. Acesso em: 12 ago. 2021.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula vinculante nº 31. Brasília, DF, 17 de fevereiro de 2010. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/seq-sumula779/false. Acesso em: 12 de ago. de 2021.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (TRIBUNAL PLENO). Recurso Extraordinário 651.703. São exemplos o ISSQN e o ICMS, assimilam considerações econômicas, porquanto baseados em conceitos elaborados pelo próprio Direito Tributário ou em conceitos tecnológicos, caracterizados por grande fluidez e mutação quanto à sua natureza jurídica. 14. O critério econômico não se confunde com a vetusta teoria da interpretação econômica do fato gerador, consagrada no Código Tributário Alemão de 1919, rechaçada pela doutrina e jurisprudência, mas antes em reconhecimento da interação entre o Direito e a Economia, em substituição ao formalismo jurídico, a permitir a incidência do Princípio da Capacidade Contributiva. 15. A classificação das obrigações em “obrigação de dar”, de “fazer” e “não fazer”, tem cunho eminentemente civilista, como se observa das disposições no Título “Das Modalidades das Obrigações”, no Código Civil de 2002 (que seguiu a classificação do Código Civil de 1916), em: (i) obrigação de dar (coisa certa ou incerta) (arts. 233 a 246, CC); (ii) obrigação de fazer (arts. 247 a 249, CC); e (iii) obrigação de não fazer (arts. 250 e 251, CC), não é a mais apropriada para o enquadramento dos produtos e serviços resultantes da atividade econômica, pelo que deve ser apreciada cum grano salis. 16. A Suprema Corte, ao permitir a incidência do ISSQN nas operações de leasing financeiro e leaseback (RREE 547.245 e 592.205), admitiu uma interpretação mais ampla do texto constitucional quanto ao conceito de “serviços” desvinculado do conceito de “obrigação de fazer” (RE 116.121), verbis: “EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO. ISS. ARRENDAMENTO MERCANTIL. OPERAÇÃO DE LEASING FINANCEIRO. ARTIGO 156, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. O arrendamento mercantil compreende três modalidades, [i] o leasing operacional, [ii] o leasing financeiro e [iii] o chamado leaseback. No primeiro caso há locação, nos outros dois, serviço. A lei complementar não define o que é serviço, apenas o declara, para os fins do inciso III do artigo 156 da Constituição. Não o inventa, simplesmente descobre o que é serviço para os efeitos do inciso III do artigo 156 da Constituição. No arrendamento mercantil (leasing financeiro), contrato autônomo que não é misto, o núcleo é o financiamento, não uma prestação de dar. E financiamento é serviço, sobre o qual o ISS pode incidir, resultando irrelevante a existência de uma compra nas hipóteses do leasing financeiro e. Relator: Min. Luiz Fux, 29 de setembro de 2016. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?base=acordaos&pesquisa_inteiro_teor=false&sinonimo=true&plural=true&radicais=false&buscaExata=true&page=1&pageSize=10&queryString=iss%20arrendamento%20mercantil%20leasing&sort=date&sortBy=desc. Acesso em: 12 de ago. de 2021.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (PRIMEIRA TURMA). Recurso Extraordinário 1.142.835. EMENTA DIREITO TRIBUTÁRIO. ISSQN. LOCAÇÃO DE ANDAIMES. INCIDÊNCIA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO CPC/2015. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 156, III, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. EVENTUAL VIOLAÇÃO REFLEXA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NÃO VIABILIZA O RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO MANEJADO SOB A VIGÊNCIA DO CPC/2015. 1. Obstada a análise da suposta afronta aos preceitos constitucionais invocados, porquanto dependeria de prévia análise da legislação infraconstitucional aplicada à espécie, procedimento que refoge à competência jurisdicional extraordinária desta Corte Suprema, a teor do art. 102 da Magna Carta. 2. As razões do agravo não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada, mormente no que se refere à ausência de ofensa a preceito da Constituição da República. 3. Majoração em 10% (dez por cento) dos honorários anteriormente fixados, obedecidos os limites previstos no art. 85, §§ 2º, 3º e 11, do CPC/2015, ressalvada eventual concessão do benefício da gratuidade da Justiça. 4. Agravo interno conhecido e não provido, com aplicação da penalidade prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015, calculada à razão de 1% (um por cento) sobre o valor atualizado da causa, se unânime a votação. Relatora: Min. Rosa Weber, 06 de novembro de 2018. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?base=acordaos&pesquisa_inteiro_teor=false&sinonimo=true&plural=true&radicais=false&buscaExata=true&page=1&pageSize=10&queryString=iss%20andaimes&sort=_score&sortBy=desc. Acesso em: 13 de ago. de 2021.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (TRIBUNAL PLENO). Recurso Extraordinário 603.136. Recurso extraordinário com repercussão geral. Tema 300. 2. Tributário. Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza. 3. Incidência sobre contrato de franquia. Possibilidade. Natureza híbrida do contrato de franquia. Reafirmação de jurisprudência. 4. Recurso extraordinário improvido. Relator: Min. Gilmar Mendes, 29 de maio de 2020. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?base=acordaos&sinonimo=true&plural=true&page=1&pageSize=10&queryString=iss%20franquia&sort=_score&sortBy=desc. Acesso em: 12 de ago. de 2021.
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Sobre os autores: Antônio Cláudio Alves, Mestre em Direito e Desenvolvimento Sustentável pelo Centro Universitário de João Pessoa (UNIPE). Especialista em Direito Tributário pelo Instituto de Educação Superior da Paraíba (IESP). Bacharel em Direito pelo Instituto de Educação Superior da Paraíba (IESP). Bacharel em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Professor Universitário do Centro Universitário UNIESP. Agente Fiscal Auditor de Tributação do Município de João Pessoa. Presidente do Conselho Fiscal do Sindicato dos Agentes Fiscais do Município de João Pessoa. E-mail: <aclaudioalves@yahoo.com.br style=”box-sizing: border-box; outline: none !important;”>. João Pessoa – Paraíba – Brasil. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7117163744309353.</aclaudioalves@yahoo.com.br>